Caligrafia chinesa e daoísmo: ligação inerente e filosófica

Hoje o blog da China Vistos te traz um post mais filosófico: vamos falar sobre a relação entre a caligrafia chinesa e a filosofia daoísta. Importante e interessante é lembrar que temos um post exclusivo sobre por que é relevante estudar a língua chinesa e outro sobre a religião daoísta.

 

Caligrafia chinesa em sua variedade

 

Caligrafia chinesa: uma prática daoísta

Ao praticar a escrita do mandarim refletindo sobre seus ares filosóficos, há muitas coisas a serem levadas em conta. A filosofia daoísta da escrita da língua chinesa pode ser de difícil compreensão, mas os resultados benéficos da escrita sobre quem escreve podem ser percebidos a longo prazo, de forma espontânea, revelando a relação natural entre daoísmo e o ato de escrever. A pesquisadora Wendan Li elaborou uma profunda reflexão sobre a relação entre a filosofia e a escrita chinesas, intitulando a “teoria” de Caligrafia de Insight.

 

Escrita do professor de Wendan Li, representa a relação entre filosofia e escrita
“Kong You Bu Er” – Forma não é diferente de vazio

 

Isso é algo que parece estar no centro da arte chinesa, e vem de filosofias antigas que encorajam os praticantes a ir além dos conceitos e buscar harmonia com a natureza. A autora Wendan Li, sobre isso, diz:

“Sem o princípio taoista da diversidade em harmonia, não haveria caligrafia chinesa. A caligrafia chinesa é muitas vezes comparada ao zen chinês, pois não se presta muito bem às palavras e só pode ser experimentada e percebida através dos sentidos.”

Tal como acontece com a meditação, a escrita tem uma dimensão sutil. Paul Wang, professor de Wendan Li em Pequim, diz que “É preciso usar todo o corpo para escrever. Se houver tensão em qualquer lugar, a expressão será limitada, e assim um foco de corpo inteiro precisa ser mantido “.  E a autora Wendan Li reitera dizendo o seguinte:

“A escrita envolve quase todas as partes do corpo, desde os dedos e ombros até os músculos das costas e os músculos envolvidos na respiração. Semelhante ao Taiji, a caligrafia é baseada em uma filosofia chinesa típica, que enfatiza a moderação e o distanciamento. Através de movimentos lentos e moderados, a energia… passa pelas costas, ombros, braços, pulsos, palmas das mãos e dedos do escritor, até a ponta do pincel e, finalmente, é projetada no papel. […] … o início da escrita é geralmente acompanhado por uma diminuição na frequência cardíaca e diminuição da pressão arterial. Quando um alto grau de concentração é atingido, a freqüência cardíaca desacelera significativamente e a pressão arterial cai significativamente. Estas respostas são semelhantes àquelas criadas pela meditação, com uma grande diferença: Meditação busca tranquilidade em um estado de repouso, enquanto que a caligrafia busca tranquilidade no movimento […] Prática prolongada de caligrafia pode desempenhar um papel significativo em manter um ajuste e melhorar a saúde. Há o fato bem conhecido de que, na China tradicional, a maioria dos calígrafos viveu até uma idade bem além da expectativa de vida média ”.

Escrevendo ideogramas em mandarim expressa-se o Dao (ou Tao na antiga romanização chinesa do sistema Wade-Giles). Para entender como isso acontece, suponha que uma expressão do nosso Ser naturalmente bom se manifeste através da nossa habilidade, dando origem a obras de arte voltadas para o bem, onde a escrita equivale à arte.

A aparente semelhança entre alguns traços chineses de caligrafia e o símbolo daoísta do yin-yang não se dá por acaso. Como a professora e pesquisadora Wendan Li aponta, sempre existiu uma ligação entre daoísmo e caligrafia:

“Os caminhos da caligrafia e da natureza, embora sejam diferentes em escopo, compartilham princípios similares. A caligrafia ilustra melhor a filosofia daoísta quando o pincel incorpora, expressa e amplia o poder do Dao. Assim, uma compreensão adequada do conceito de yin e yang e de suas manifestações na caligrafia, e como várias técnicas são implementadas para criar contraste e unidade na escrita, é essencial para sua compreensão do cerne da arte.”

 

Natureza humana e aprimoramento da caligrafia

 

Trata-se de um conceito filosófico e linguístico
O caractere que representa a ideia de “coração-mente” registrado em um templo budista na China

Na China, a arte é frequentemente vista como uma expressão do coração humano – uma criação positiva que traz felicidade à vida dos outros. Afinal, os chineses consideravam o coração e a mente uma coisa só – Xīn (心). Considera-se que a beleza desse coração-mente bondoso e natural esteja refletida na natureza, e a prática do calígrafo é tornar essa beleza visível em um formato simbólico. O coração humano natural e inerentemente bondoso é um conceito chinês que perdura desde os tempos antigos. Nas escolas juniores de todo o país, as crianças chinesas são acostumadas a recitar o Clássico de Três Caracteres (三字經) – um ensinamento filosófico atribuído aos discípulos de Confúcio. Para muitas crianças, como foi o caso nos últimos dois mil anos, este é o primeiro livro aprendido sobre o início da educação formal. O livro diz que:

“A natureza humana é bondosa e é através da influência do meio que a leva para o mal. A educação se faz necessária desde cedo para que logo se possa distinguir entre o bem e o mal.”

Esse poema é ensinado nos primeiros anos do ensino fundamental e além de servir à alfabetização, também visa à educação moral, enfatizando o ato de educação como estruturadora da mentalidade ao rumo do sentimento da Humanidade.

A prática de aperfeiçoar uma habilidade para render obras de arte é considerada, pelos Daoístas, um caminho de Sábio em si. Para verdadeira e repetidamente tornar a percepção da mente positiva, deve-se manifestar uma conexão perfeita entre o coração e a mão (que leva diretamente à escrita). Este é aparentemente o mais alto nível de habilidade – não importa a prática: seja lutando Kung Fu, dançando, esculpindo, pintando, escrevendo etc.

Juntando a natureza humana bondosa com a aptidão para se aperfeiçoar em quaisquer atividades, em resumo, o Dao contempla o ato de escrever (enquanto Caligrafia de Insight) como um tipo tradicional de alcance de plena concentração. Ainda que Wendan Li não identifique a prática da escrita como análoga à da meditação, ela destaca seus benefícios psicológicos e admite seu significado filosófico como ligado ao daoísmo.

 

Reconhecimento da filosofia da caligrafia chinesa

 

Daoismo e caligrafia

 

Para concluir o post, é interessante deixar citações de três autores que reconhecem e resumem a ligação entre o daoísmo e a caligrafia chinesa, gerando um consenso sobre a proximidade entre os dois.

“O princípio filosófico fundamental do yin e yang é refletido em todos os aspectos da caligrafia chinesa. […] O estudo da caligrafia chinesa não é apenas um estudo da escrita chinesa. Em muitos aspectos, é também um estudo da filosofia chinesa e da visão de mundo chinesa. Os princípios e padrões estéticos estão enraizados em dogmas culturais e filosóficos, e confucionismo e taoísmo formam a base da cultura chinesa. Dos dois, o taoísmo tem a influência mais forte sobre a arte. Não é exagero dizer que o taoísmo, a partir de seu lugar no centro da cultura chinesa, é o espírito da arte chinesa. Muitas características da caligrafia chinesa refletem os princípios taoístas.” – Wendan Li, Chinese Writing & Calligraphy (Editora da Universidade do Havaí. 2009), p. 175.

“Você pode comprar a tinta, o papel de arroz, o pincel, mas se você não cultivar a arte da caligrafia, não poderá fazer caligrafia.” – Thich Nhat Hanh, The Art of Power (2007), p. 81.

“A maneira zen de praticar caligrafia é escrever da maneira mais direta e simples, como se você fosse um iniciante, não tentando fazer algo hábil ou bonito, mas, sim, simplesmente escrevendo com total atenção, como se estivesse descobrindo o que estava escrevendo pela primeira vez; então toda a sua natureza estará em sua escrita. Este é o caminho da prática, momento após momento.” – Richard Baker Roshi, Introdução, Zen Mind, Beginner’s Mind (1995), p. 14.

 

Deu para ver a clara relação entre a caligrafia chinesa e a religião daoísta? Gostou de entender melhor a cultura chinesa? Pois bem, este é o primeiro passo para visitar o Gigante Asiático! Entre em contato com a China Vistos e prepare-se para embarcar em uma viagem inesquecível para esse país fascinante.

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Por Rafael Queiroz Alves

Fontes: Wisdom 2 Be, Mindful Discipline

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