Existe um ditado chinês que resume perfeitamente a complexa religiosidade da população da nação mais antiga do mundo: “Todo chinês é taoista em casa, confucionista na rua e budista na hora da morte”. Em seus 5 mil anos de história, a China teve a alma moldada pelos livros dessas 3 doutrinas, surgidas há mais de 20 séculos. Enquanto a economia chinesa não para de crescer, Confúcio, Tao e Buda ainda explicam muito sobre os chineses e sua relação com o mundo. Essas doutrinas se misturam e constituem a “religião tradicional chinesa”, que inclui de filosofia e regras de etiqueta a magias, talismãs e reencarnação. Mas hoje vamos focar em um componente específico da fórmula: o budismo chinês.
Sobre o budismo chinês
Na China existem 56 grupos étnicos, cada um com sua própria cultura e religião, mas entre todas as religiões, o budismo é a que mais tem adeptos. É muito difícil avaliar o número de praticantes do budismo na China, pois estão espalhados por todo o país, e não existe um ritual de iniciação com contagem de novos adeptos.
O budismo chinês tem pelo menos 40 mil monges e monjas e mais de 5 mil templos e monastérios. O budismo tibetano é praticado pela maioria das 7 milhões de pessoas das etnias Mongol, Tu, Naxi, Pumi e Moinba, e com 120 mil monges em 3 mil templos e monastérios. O budismo Pali se professa principalmente pelos grupos étnicos Dai, Bulang, Deang, Va e Acheng. Conta com mais de 8 mil monges em mil templos.
Os monastérios e pagodes budistas encontram-se em todas as regiões da China; muitos dos quais são mundialmente famosos por sua arte budista, e as construções budistas são consideradas jóias da antiga arte chinesa. A Associação Budista da China, estabelecida em 1953, é uma organização nacional, com 14 filiadas, e seu próprio jornal, o Fayin.
História do budismo chinês
A tradição se iniciou durante o reinado do Imperador Ming da dinastia Han do leste (25-220 d.C.), que encomendou a Cai Yin e mais de 17 dirigentes e intelectuais que fossem a diversos países a oeste da China em busca de informações sobre o Budismo. Encontraram-se com Kasyapamatanga e Dharmaranya, duas grandes expressões do budismo na Índia, à época, convidando-os para uma visita à capital Luoyang, da época. Os dois líderes espirituais trouxeram em lombo de cavalos brancos imagens e sutras budistas. O Imperador Ming ordenou a construção de uma residência para eles em Luoyang, transformando-se no primeiro templo budista da China; o monastério Baima (Cavalo Branco em chinês).
A propagação do budismo foi inicialmente tímida e discreta; mas no terceiro século já estava bastante difundido. No século IV foi permitido aos chineses tornarem-se monges budistas, e no início do século seguinte, um célebre peregrino budista, Fa-Hien, introduziu na China uma grande quantidade de documentos búdicos que buscou diretamente na fonte, na Índia. O primeiro Budismo que chegou à China foi o Mahayana.
A princípio, os primeiros 42 sutras do budismo hindu foram traduzidos. Depois, o budismo foi amplamente divulgado na China durante os reinados Han do leste, dos Imperadores Huan Di e Ling Di (147 – 189 d.C.). Quando Sakyamuni fundou o budismo na antiga Índia, diferentes formas de pregação se adaptaram aos diferentes públicos. Depois da morte de Sakyamuni, seus seguidores estabeleceram várias seitas conforme seus próprios entendimentos. Entre estas seitas, as de Mahayana e Theravada são as maiores.
Durante os anos entre as dinastias Han do Leste e Song, 130 estudiosos chineses e estrangeiros traduziram escrituras budistas para o chinês. De todos os tradutores na história do budismo chinês, o monge Xuan Zang da dinastia Tang foi considerado o melhor. Viajou quase 25 mil quilômetros em 17 anos, trazendo da Índia 520 escrituras budistas em sânscrito e dedicou 20 anos para sua tradução ao chinês de 1335 textos em 75 capítulos das escrituras do budismo Mahayana.
O Budismo chinês, denominado foísmo ou Fo-Buda, foi adquirindo um caráter próprio e pessoal. Uma das razões para isso ter acontecido foi a dificuldade encontrada pelos tradutores dos textos indianos. O idioma chinês não se presta muito à expressões abstratas de idéias e teorias. A solução encontrada foi o recurso às expressões usadas no Taoismo e no Confucionismo conforme as semelhanças se apresentavam.
O Budismo chinês tornou-se então uma doutrina bem diferente do Budismo autêntico. Em lugar de nirvana, pregou a calma, a tranqüilidade do espírito; em lugar da abolição do desejo, o não agir Taoísta ou entre os Confucionistas, o respeito às regras e às formas tradicionais. A China dá ao Budismo uma atitude menos especulativa, menos interessada pelos problemas metafísicos e mais resolutamente orientada para os problemas da vida cotidiana. O Budismo, por seu lado, inculta à China uma atitude mais profundamente religiosa. A piedade filiar, que era sobretudo uma virtude de família, transforma-se em um culto. Os antepassados passaram a ser olhados como habitantes de um mundo sobrenatural. E o sentimento búdico da piedade para com todos os seres que sofrem, da bondade universal, foi para a China uma espécie de revelação. A Índia levou à China o sentido da caridade e da beneficência.
Budismo Mahayana e Theravada
Budismo Theravada
O budismo Theravada prega a superação da ilusão e a despreocupação pela morte, de modo que o indivíduo possa converter-se em um Avatara, um santo iluminado. É mais cético e filosófico.
Budismo Mahayana
O budismo Mahayana enfatiza a salvação, não só de si mesmo mas também de outros seres vivos. É uma espécie de caldeirão de crenças que aceita a existência de deuses, espíritos e criaturas fantásticas, como demônios e serpentes falantes. Foi esta versão que fez sucesso na China, dando origem a duas formas de budismo típicas da China. Uma é o zen, que misturou crenças budistas a práticas de meditação do taoismo e a outra é o “terra pura”, ramo mais popular, que venera diversos espíritos iluminados ao invés de um único Buda.
Templo de Budismo chinês em São Paulo
O Templo Zu Lai, situado em Cotia, na região metropolitana de São Paulo, é o primeiro templo do Monastério Fo Guang Shan (ordem budista chinesa do ramo da filosofia budista Mahayana) na América Latina. Em abril de 1992, o Venerável Mestre Hsing Yün foi convidado a oficiar a consagração do Templo Budista Kuan Yin, em São Paulo; ocasião na qual estavam presentes à cerimônia, o senhor e a senhora Chang, generosos discípulos, que se encheram de alegria ao ouvir as palavras de Darma do Venerável Mestre. Repetindo o gesto do nobre Anathapindika, o casal Chang doou o sítio da família que deu lugar ao templo denominado Zu Lai pelo Venerável Mestre.
Ao ser criado, o Templo Zu Lai mantém a tradição de realizar regularmente as práticas e cerimônias das Escolas de pensamento budista Chan e Terra Pura, oficiando cerimônias de “Oito Preceitos” e retiros de meditação. Orientada pelos preceitos do Budismo Humanista, a ações que o Templo Zu Lai e a Blia empreendem, desde a época de sua criação, baseiam-se em quatro pilares estabelecidos pelo Venerável Mestre: o cultural, o educacional, o das ações sociais e o das práticas religiosas. Ambas as entidades buscam, também, realizar a integração das diversas tradições budistas no Brasil, participando de atividades conjuntas com outros templos, como as ocorridas nas comemorações do Vesak. Até hoje, o Templo Zu Lai tem sido considerado o maior templo budista da América do Sul.
Seguindo ainda o caminho apontado pelo Venerável Mestre Hsing Yün, o templo busca desenvolver estudos diversos que se aplicam à vida do dia a dia, além de “nacionalizar” os ensinamentos do Buda, respeitando os aspectos da cultura local que acolhe a sua doutrina, tornando possível a realização de projetos como: cursos de filosofia budista, grupos de estudo e círculos de leitura sobre o Darma, criação do “Projeto Filhos de Buda” por meio da Fundação de mesmo nome e através de seu Centro de Tradução, que tem trabalhado na divulgação dos ensinamentos budistas em língua portuguesa.
Desde então, o Templo Zu Lai vem cumprindo sua missão em divulgar esses seus quatro pilares para solidificar e nacionalizar os princípios de um Budismo Humanista no Brasil.
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Por Rafael Queiroz
Fontes: Embaixada da República Popular da China no Brasil, Purificando a Mente – A meditação no Budismo Chinês, Templo Zu Lai, Mitologias e Religiões, Super Interessante